






















Desenhos
de caderno
As pinturas de linha nasceram quando dei atenção a uma pulga atrás da minha orelha. Comprei linha, agulha e algodão e me pus a experimentar essa materialidade desconhecida. Desde nova fui intima do pincel e da tinta, quando se falava sobre criar. Quando eu me sentava para uma pausa depois do dia de ateliê, os dedos buscavam se ocupar, ansiosos. Tentei enganar minhas mãos e meus olhos, evitar o entorpecimento do feed infinito, e comecei a bordar.
Experiência normalmente noturna, esse fazer costurava as imagens da televisão ligada, as vozes do meu companheiro ou outros, em momento de recolhimento. Bordar se tornou uma forma limpa e enxuta de continuar criando, mesmo em lugares de passagem. Na casa de um amigo, assistindo uma aula, ou me deslocando de ônibus sentia a necessidade de ter algo na mãos e de preencher essas pausas.
No ato de bordar, existem coisas concretas. A linha mergulha e irrompe da trama, num movimento de laçar infinito. Uma amarração. Nessa costura arremato cenas, contorno ideias, repuxo memórias do dia e essas ficam marcadas nos panos. Manifesto uma reta fluida no tecido e, ao observar essa nova composição, decido o próximo mergulho. É um movimento de diálogo, ou até, flerte. Assisto o movimento da linha e aguardo a correspondência ou não a minha proposta de narrativa. Reconheço naquela forma abstrata um lugar que fui, um movimento que faço, uma parte do corpo. Muitas vezes a forma se apresenta com muito mistério, e o trabalho continua a me gerar faiscas enquanto escuto suas falas da parede, até um dia que identifico o que criei, só depois de ter vivido muitas outras coisas, pois as vezes o que faço não aconteceu ainda. Nessa hora a pintura de linha se finda, com o ultimo nó no verso eu decifro a mensagem escondida de mim para mim mesma.